terça-feira, 11 de março de 2014

Arquivo Samara




Passei minha infância em João Pessoa, na Paraíba, onde nasci. Ô lugar bom de se viver! Tenho as mais lindas lembranças dessa terra, há poucos meses me mudei para Recife, onde escrevo esse depoimento. Você pode até pensar que cidades pequenininhas como a minha estão livres de vários males das cidades grandes, como as drogas. Mas não estão.
Mas voltando no tempo...Eu e minhas duas irmãs (Nattascha, a mais velha, Samara e eu, a caçula), sempre tivemos tudo do bom e do melhor. Estudamos em escolas bacanas, moramos em bairros nobres, e crescemos cercadas de carinho. Sério mesmo. Vida suave e feliz.
Fecho os olhos e me lembro da gente correndo pela área de lazer do prédio, brincando na praia, virando a madrugada no videogame...juntas, sempre juntas! As três melhores amigas (Samara e Nattascha mais um pouco, vai...).
Samara sempre foi a mais inteligente.Além disso, linda e magnética. Sabe como? Deixava todos os garotos apaixonados, e as meninas querendo imita-la, como eu!Também tirava as melhores notas. Sabia de tudo.Nós duas passávamos hooooras na locadora decidindo qual filme alugar.Como eu queria que apenas momentos como esse estivessem guardados na minha memória...mas não.
Eu tinha 12 anos quando o pesadelo da nossa família realmente começou.Estava dormindo e acordei com um barulho bem alto.Alguém levou um belo tombo no andar de cima, pensei comigo.Minhas lembranças se misturam, acho que de alguma forma minha mente me quer longe daquele dia. Procurei meu pai, Nattascha, e lembro de um barulho alto de sirene vindo da rua.Levantei correndo, segurei o cachorro, e dei de cara com meu pai desesperado, entendendo que a ambulância tinha vindo buscar Samara. Não desci, não fui ver. Mas minha irmã, Samara, de 14 anos, havia se jogado da varanda do 4 andar do apartamento de um amigo que morava no mesmo prédio que a gente. Você consegue imaginar o tamanho do nosso choque? Ficamos tentando entender o que tinha acontecido! Jesus, como ela tinha caído? Tinha escorregado? Alguém tinha feito algo contra ela? Que angústia!Já no hospital foi a própria Samara quem nos contou que estava “tão louca” que achou que podia voar.
Foi assim, da pior maneira possível que meus pais confirmaram que ela usava drogas. Como muitos jovens, era um baseado aqui, uma bala ali, um doce acolá. Não é assim? Para ser aceito, para aproveitar melhor a festa, para curtir? Ah, também teve a cocaína, que viciou.
E então ela sumiu.
Nem mesmo o acidente, que a deixou sem andar por três longos meses, e que foi um período de fortalecimento de fé e comunhão com Deus para todos nós da família – tivemos ajuda de pessoas da nossa Igreja e de outras Igrejas e religiões –fez com que ela parasse usar drogas. Assim que teve oportunidade, ela voltou ao convívio dos amigos, e ao consumo . E aí, coisas de valor começaram a desaparecer. Dinheiro, jóias, eletrodomésticos.Até o carro da família. Em casa era uma tristeza só, clima de enterro. O agravamento do problema deixou todo mundo em choque. Eu tinha vergonha de conversar com ela, de encarar. Meus pais não sabiam o que fazer. Tentaram castigar, conversar, prender, orientar...convencê-la a se internar.Sóq eu ela estava sem freios, afundando cada vez mais rápido.Então ela sumiu, saiu e não voltou mais. Procuramos amigos, polícia, familiares.Cada vez que o telefone tocava, era um desespero. Meu pai ficava atento aos programas policiais, a procura da manchete, em busca de notícias da sua filhinha. Dias de angústia. Minha mãe nunca perdeu a fé. Sempre em orações, sempre acreditando que ela iria voltar.
Um belo dia, acredito que um ano depois do sumiço, uma mulher bateu a nossa porta.Magra, desgrenhada, pele afundada na cara. Cansada. Um misto de raiva e desespero tomou conta de mim quando vi que era Samara. Choramos, brigamos, e depois nos entendemos.Ela prometeu mais uma vez que ia mudar, que queria mudar. Eu acreditava, por que sabia que meu Deus é o Deus do impossível. Ela aceitou se reabilitar. Com a ajuda de outros cristãos conseguimos um lugar para ela. Eram poucos os lugares que recebiam mulheres. No dia combinado, ela desapareceu. Depois voltou para casa. A qualquer sinal de melhora lá estava ela novamente, entregue ao mundo das drogas. Era um pesadelo. Idas e voltas, melhoras e pioras, promessas e quebras. Ela voltava, dizia que queria virar o jogo, era internada, melhorava e fugia, sem conseguir viver longe das drogas.Tentei ser amiga dela, entender, não julgar...mas talvez não seja evoluída a esse ponto. Ver meus pais e minha família destruídos por causa dela, me doía demais.

Procurando manchetes trágicas nos jornais

Quando eu estava com 20 anos, já perto de me formar em Rádio e Tv, Samara voltou ao nosso convívio.Chegou do nada, para a nossa surpresa. Estava namorando um razpaz, apaixonada, morando com ele.Na época, minha irmã Nattascha já estava de casamento marcado, só que Samara acabou engravidando, e casou um dia antes dela. Foram festas lindas! Abençoadas  e que encheram nossos corações de esperanças. Um bebezinho lindo nasceu no Natal: Maximus, o amor da minha vida. Por cerca de 3 anos, tudo estava incrivelmente bem, até que ela e o marido conheceram o crack.
Sinceramente? Não lembro bem como eram meus dias nessa época. Eu acordava e dormia tentando viver uma vida normal e esconder essa terrível realidade das pessoas que me cercavam. Uma das vezes que fui visita-la fiquei em choque com a casa que moravam. Não havia um móvel sequer. Nada. Maximus estava sozinho sentado no terraço. A essas alturas, meus pais já lutavam pela guarda dele, e ele foi morar com a gente. Um menino tão lindo, mas com um olhar tão triste. Samara sumiu novamente, e a nossa vida voltou ao padrão de “procurar manchetes nos jornais”. Não contei, mas sempre tivemos uma ligação especial. As vezes ela me ligava só para conversar, outras vezes ela ia nos ver e me roubava. Recebi ínumeras ligações a cobrar me pedindo dinheiro para pagar dívidas de drogas. As vezes eu dava, as vezes não. Nunca contei a ninguém, nem aos meus pais o que acontecia. Sentia pena deles, não queria vê-los sofrer ainda mais. Lidei com isso, e tentei sempre _sempre_ ser motivo de alegria e admiração para eles.
Uma vez ela me disse que se prostituía para pagar as dívidas, para comprar drogas. Eu já imaginava, mas como aceitar aquilo vivendo a vida que eu tentava viver? De amigos incríveis, de festas...algumas amigas diziam que eu tinha “vida de seriado”, e sabe o samba “ninguém sabe a mágoa que trago no peito”. Pois é. Então eu pirei. Meio que entrei num buraco junto com ela. Sentia muita vergonha de tentar ser feliz. Chorava em todos os cultos que ia na Igreja Cidade Viva. Chorava quando ninguém estava vendo também. Chorava olhando pela janela do ônibus, chorava quando alguma amiga minha estava usando drogas. Chorava pela situação financeira dos meus pais, chorava pela depressão do meu pai, chorava e chorava. Não conseguia mais curtir as festas, não conseguia mais comemorar de verdade as metas profissionais alcançadas _profissionalmente eu estava crescendo cada vez mais_. Nada me deixava feliz o suficiente, por que eu não era feliz. A dor de não fazer nada me sufocava. A dor de não ter a força e a fé da minha mãe, o carinho do meu pai e da minha irmã Nattascha me enlouqueciam. Eu fingia estar bem, mas meu coração e minha alma nunca acreditaram nisso.
Meu pai só me contou depois, mas durante esse período chegou a levar dinheiro a um traficante, que a acorrentou ao pé da cama até que a dívida fosse paga. Ele me disse que foi várias vezes a cracolândia busca_la, procura-la. E acreditam que eu tinha raiva dele? Achava que ele a protegia demais, e esquecia de mim, que tentava ser tão perfeita. Como somos injustos e imaturos não é?

O crack detonou seu corpo
E quando a gente pensava que nada poderia piorar,descobrimos que Samara estava grávida novamente. Ela simplesmente apareceu em casa no final da gestação. Tirando a barriga, ela era só pele e osso!O crack detonou seu corpo, e ela havia se drogado durante toda a gravidez. Em uma dessas bênçãos de Deus para as nossas vidas, em mais um milagre inexplicável, o bebê nasceu saudável. Ela o batizou de Hércules. Quando ele ainda era recém nascido Samara fugiu com ele, e foi presa na cracolândia. Minha tia, irmã da minha mãe, se ofereceu para cuidar de Hércules. Mais um presente de Deus. Não tínhamos estrutura financeira e nem emocional para tanto.
Eu nunca fui no presídio.Ela ficou por lá uns 20 dias, e me telefonava toda noite, de números diferentes, pedindo crédito de celular. Gritava muito, dizia que ia ser morta. Algumas presas também me telefonavam, ameaçando a nossa família. Paralelamente a essa situação meus pais lutavam e conseguiram um defensor público para solta-la. Então tive um estalo: Vou tratar de viver minha vida. Vou é ser feliz.Poxa vida. Me afastei dela, doa problemas dela, da vida dela. Conheci Tito, e foi amor a primeira vista. Começamos a namorar e casamos ano passado. Ele é o homem mais carinhoso e companheiro do mundo. Infelizmente _ e hoje sofro e me arrependo_ nunca conheceu Samara.
Uma vez solta, conseguimos interna-la numa ala para dependentes químicos de um hospital psiquiátrico. Horrível. Dopavam ela. Nos fins de semana, ela ficava conosco, dopada, e sequer conseguia falar. Mais uma vez não conseguia acreditar que aquela era Samara. Passei a não reconhece-la mais. Recebemos mais ajuda de outros irmãos em Cristo. Até de pessoas que já estavam em nosso convívio, mas com quem absolutamente não nos abríamos. Essas pessoas e a nossa fé em Deus foram fundamentais nesse processo. Conseguimos interna-la em uma clínica cristã (católica) que tinha espaço para mulheres. Nunca fui visita_la. A mágoa do meu coração era tão grande, que minha fé estava sumindo, até me afastei da Igreja.Tinha medo de me decepcionar mais uma vez, e sabia que ela não ia melhorar.

Então achamos a manchete que tanto procurávamos
31 de dezembro. Eu, Tito, Maximus, Nattascha e seu filhinho Nabal tínhamos passado um dia perfeito na praia.Voltamos cheios de planos para o ano novo. Voltamos e liguei o computador. Como jornalista, mesmo de folga, eu queria me manter informada. Então li a manchete que sempre temi encontrar : “Mulher é encontrada morta a pedradas no bairro São José.”.Reconheci minha calça jeans na foto. Liguei para o legista (por ser da imprensa tinha esses contatos) e pedi para ele procurar uma tatuagem no corpo. Ele achou. Era ela.Minha irmã estava morta, morta a pedradas. Que triste fim para uma história tão triste.Não fui ao GEMOL, nem ao velório e nem ao enterro.Não queria vê-la desfigurada aos 28 anos de idade. Não queria falar com ninguém. Tive pesadelos horríveis. Queria apagar aquilo.
Até hoje a polícia não encontrou os culpados pela morte dela. Mais de um ano depois e que nos procuraram para interrogar. Não vão encontrar.
As vezes meu coração se enche de uma tristeza indescritível, do tamanho do mundo.Autopiedade, pena dela, pena dos meus pais, dos filhos que ela deixou. Meu único conforto é pensar que a minha história contada aqui pode ajudar pessoas a procurarem um caminho longe das drogas.
De tudo isso, restaram alguns tesouros! Meu marido Tito conheceu a Cristo e renovou sua fé em Deus! Voltei a comunhão na Igreja e consegui também aproximar outras pessoas de Deus, assim como ajuda-las nas suas dores e também pedir ajuda quando necessário.
Outros tesouros tem nome: são dois pequenos e lindos milagres com nomes de hérois: Máximus hoje com 9 anos  e Hércules, com 5.Consigo enxergar muito dela neles! Falo em Samara com muito amor para os meninos. Sempre que posso, conto da nossa infância, daquela menina linda que corria comigo na praia, que arrumava meu cabelo, que roubava meus paqueras, que tirava notas melhores que as minhas, e que tinha a risada mais gostosa que já ouvi.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Sucesso de público

Esgota bilheterias, acaba nas bancas, prolonga edições, provoca repeteco de espectadores. Assim é minha amiga Diana Reis, que todo mundo ama.

Quem não adoraria assisti-la mais de um vez e decorar seus textos, como o famoso “Mentira” ?

E ler essa menina? É tão bom tentar decifrar suas inquietudes, dar aquela olhadinha no rodapé e entender a referência.

As vezes ela até parece uma música, daquelas que vc quer ouvir tanto, a ponto de gravar no MP3, no computador e até usar como toque de celular.Recorde no 4shared!

Di também tem um quê daquelas crônicas amadíssimas que rodam o mundo pelo facebook. Afinal...como não querer cita-la? Com seus conselhos espertos e suas observações pertinentes?

Diana é quase como aquela poesia que todo mundo coloca entre aspas embaixo de uma frase bonita de instagram! Ah, quem não quer usa-la como frase de efeito se essa menina é pura poesia, até no nome: Um pouco de Rainha e muito de dia!

Para minha amada amiga, sucesso de público, um grande beijo e um muito obrigada!

Gosto mesmo é de ter crise

Gosto mesmo é de ter crise.
De riso!
Me dobro
Até que a gargalhada envolva toda parte
E falte ar 
E sobre felicidade

Gosto mesmo é de ter crise.
De riso!
Seguro a barriga
E prendo  em mim a delícia 
Da risada cantada
Do olho marejado
Da graça, de graça!

sábado, 29 de junho de 2013

Crente


Sinto muito por você que não tem fé. Sinto realmente muito por você que não acredita em Deus. E vou usar uma frase que escuto muito com sarcasmo, mas vou escrever pq acredito: Sim, eu vou orar por você. Isso não é uma indireta de Facebook, eu só queria dizer que sinto muito por que você não sente o que eu sinto. Você não experimentou a vontade de melhorar que eu vivo, e nem o conforto no sofrimento. E não venha me julgar pq eu não tenho um comportamento exemplar, você também não tem. É isso aí, você não tem. E o fato de acreditar em Deus não me torna perfeita, só me ajuda a tentar ser melhor.E você pode alegar que existem muitas coisas para nos tornar pessoas melhores e eu te digo: não vim falar da sua verdade, e sim da minha. Então, já que vc tem tantas opiniões sobre evangélicos, eu vou te dar a minha, privilegiada, de dentro do contexto: Em minha opinião, não é uma atitude cristã o projeto #curagay. E Feliciano não me representa. Eu acho ele um perfeito idiota, na verdade. E sim, eu sou evangélica, cresci na Igreja Batista, e ainda estou por lá, a cada domingo. E pq achar que o cristianismo nos torna burros? Nos torna massa de manobra?  Pq achar que tudo o que um líder religioso que fala em nome de uma “igreja” é o espelho de quem eu sou? Não é! E ah, você também pode dizer que eu sou exceção, mas não sou. Vou te contar umas coisas. Existem crentes que podem estudar. Tadáááá. Eles também podem ser politizados, entender da vida e quem sabe (tadáááa novamente) ter opinião própria. Nós podemos escutar boa música e apreciá-las. Podemos até gostar de pagode (você pode achar horrível como pessoa, mas quando se é crente tudo é possível) E só mais uma coisa: na Igreja, como em qualquer lugar, existem pessoas boas e ruins. Pessoas que querem roubar seu dinheiro, e pessoas que usam seu dinheiro para salvar outras pessoas. Inteligentes e burras, gordinhas e magrinhas. Então, te peço como cidadã. Pare de me julgar por ser feliz. E também não me condene por estar aqui “defendendo” a minha religião e meu Deus. Você simplesmente tem que me respeitar por dizer que penso depois de tudo que eu escuto da sua boca. Eu estou seguindo seu exemplo. F a l a n d o.Escondendo-me em um link, escrevendo numa página branca, soltando minhas palavras por aí. Também sei citar autores, mas o autor do livro que acredito não se encaixa nas normas da ABNT. De acordo com as palavras de Deus, eu tenho livre arbítrio, e podendo escolher, resolvi segui-lo.     

Mariah Araújo
Radialista, Jornalista e mestranda em produção jornalística pela UFPB - Assessora de imprensa e evangélica


(meu blog é de poesias e pensamentos. Bom, isso é um pensamento.)

sexta-feira, 15 de março de 2013

Contaram



Minha vida se torna uma conta de coisas...
Ou uma coisa de conto!
E quem determinou número para minha história?
Sim, isso conta muito! Por que eu, bem, eu contei com um desfecho diferente
Me narraram outro, mas me contive e percebi que no meio de tanta carochinha,
Difícil mesmo é fazer uma coisa sem fazer outra.
E, mais difícil ainda é fazer uma, outra e não poder (ainda) fazer a terceira.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Deus proverá.



Acordei com uma angústia peculiar em meu peito. Eu já tinha sentido ela antes em outros episódios dignos de desejar perder a memória. Esse era mais um desses capitulos. Meu pai acordou de sobressalto, e eu só desejava que o tempo corresse rápido, mas ele insistia em se arrastar, como uma carroça em plena avenida principal da cidade. Tudo meio que girava em câmera lenta, e eu entendia o que se passava e fingia que não entendia nada, para ter a chance de escolher não participar. Eu estava me abstendo daquilo, até ouvir aquele som. Alguém caiu, pensei. Sei que demorou, mas na minha cabeça a sirene já fazia o maior barulho. As pessoas cochichavam ao passar pela porta, e eu não lembro onde estava a outra de 15. Não lembro. Já tentei, e ela sumiu dessa cena. Estavam sempre mencionando um andar: foi do terceiro ou quarto.
        Não sei onde todas as memórias foram parar. Acho que já desejei demais que tivesse amnésia como nos filmes. Posso até bater a cabeca para que isso aconteça.
        Os meses se arrastaram entre as idas ao hospital e a recuperação em casa. Nos mudamos. Nos afastamos da tragédia, dos vizinhos que cochichavam, do menino de apelido tenebroso, nos afastamos das pessoas, mas começamos a ter um relacionamento melhor com Deus e a nossa fé.
        Tivemos a ajuda de muita gente, que eu não sei bem quem, por que simplesmente não perguntava. E praticamente ninguém estava interessado em me contar. Estávamos na praia, numa espécie de veraneio forcado. Eu caminhava sempre sozinha. Noutro dia cheguei a varanda da casa e vi meu pai chorando. Era um choro contido, doeu até em mim. Uma raiva foi germinando ali, bem perto do lugar das dúvidas e de certos desprezos. Entrei e foi a vez de vê-la. Ela lia um livro deitava de barriga pra cima, imóvel por recomendações médicas. Cuidávamos dela como se fosse um bebê, torcendo para que ela voltasse a ter toda aquela vitalidade, exceto a vitalidade emprestada que a deixavam com vontade de voar. Olhei para ela e uma mistura de decepção e medo tomou conta de mim. Eu não queria estar ali naquela praia sem graça e muito menos ver meu pai esconder aquelas gotinhas salgadas que caiam longe dos meus beijos. Corri para minha mãe, que estava com o maior sorrisão. Disse que tinha fome, e que queria a melhor das sobremesas. Ela falou que não tinha, e disse uma das que é a sua melhor frase: “Deus proverá”.

Você acha que não



Sim, você já pensou nisso.
Depois dos limites.
Foi e voltou.
Fez.
Já refletiu, já voltou atrás.
Gritou, se arrependeu.
Fez de novo e mais uma vez.
Sua vontade te traiu e você traiu a sua vontade.
Já foi honesto, e já se enganou.
Chutou o balde e sentiu o pontapé.
Não quis só seguir instruções.
Mas não soube dá-las.
Revezamento de medo e coragem.
De libra e leão.
Olhou ao redor e perdeu a paciência.
E dentro perdeu o sono.

Você acha que não,
Mas sim,você é capaz.