quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

29 de novembro, há 10 anos, decidi ser produtora.


O repórter estava suado, mas estava totalmente seguro do que fazia e que a câmera era sua melhor amiga.O microfone também fazia parte daquela turminha tão unida. Eu estava ali, na duvida se era aquilo mesmo que eu queria. O cadáver era de uma mulher. Magra, com as marcas do rosto afundadas na carne. Nem sei como olhei. Mas olhei. Respirei fundo. Tenente Nunes dizia ao repórter que eu tanto admirava que aquela foi dominada pelo crack. E que o crime era acerto de contas. Hoje sei que a polícia adora falar em acertos de contas, e que perícia não tem nada de CSI, ou qualquer série americana que tanto gosto.
Não conseguia parar de pensar no meu pai. Olhando jornais, assistindo programas policiais sangrentos a procura de notícias de Samara. Eu fazia parte de um desses telejornais, mas não queria ser estagiária desse aspecto da vida. Queria ser de tantos outros...
O repórter falava baixinho, como Joao Gilberto
cantando. E ameaçava jogar o microfone na minha cabeça se eu não prestasse atenção. Mas naquele dia, tudo o que eu menos conseguia era prestar atenção. Minha mente viajava e voltava, do meu pai a mim. Pensava naquele homem magro, mas forte. Daquele tão íntegro, tão lutador e o melhor e pior de tudo: tão esperançoso.
Meu olho já não conseguia mais guardar aquele aguacéu. Tenente Nunes disse que eu não servia para o serviço. Deu vontade de dizer que cada um sabe a dor e a alegria que traz no coração, mas ia parecer piegas e eu deixei essa linda frase para escrever agora.



Não conheço alguém que aos 18 veja cadáveres e pense na irmã, que poderia estar lá. Não é uma cena bonita de se ver, nem é uma coisa boa de sentir. Chorei, e se eu usasse um chop para me distrair, esse seria um bom momento.
Bem, naquela hora decidi que se é para passar informação para o telespectador, que seja numa sala com ar condicionado, junto de um computador, um telefone e um cafezinho. Muita euforia e gritaria, mas nenhum cadáver a sua frente.
Minha irmã, que determinou tantos aspectos da minha vida hoje estaria fazendo 30 anos. E foi através dos jornalistas que eu descobri que ela só chegara aos 28.
Hoje, sinto-me triste de ainda dar essas notícias. Sinto-me triste em ser a portadora do que essa pedra no meio do caminho tem causado. Sinto-me triste em hoje não poder dar os parabéns a minha irmã. Ele não teve mais um ano de vida.

Nenhum comentário: